Argentinos apresentam longa sobre ocupação de escola nos anos 70

Uma turma de estudantes descontentes com os rumos políticos do país resolve ocupar o colégio para reivindicar alternativas. Não é um documentário sobre os movimentos que sacudiram o Brasil em 2016 – e nem o filme “Secundas”, de Cacá Nazário, vencedor da mostra de curtas gaúchos neste 45º Festival de Cinema de Gramado.

Ao mesmo tempo distante no tempo e no espaço, mas com um debate absolutamente atual, inclusive para o Brasil, o longa-metragem argentino “Sinfonía para Ana” reconstitui fatos ocorridos em 1976, meses antes do golpe militar no país vizinho, que levaram os estudantes a tomarem as dependências do Colégio Nacional de Buenos Aires.

A obra segue os passos de Ana e sua melhor amiga, Isa, adolescentes de 15 anos que dividem o tempo entre a militância política e as confidências sobre a vida amorosa que se inicia. “Esta é uma história de amor entre Ana e Lito”, anuncia a sinopse do filme.

Entretanto, o que era para ser apenas pano de fundo para o romance assume o primeiro plano, uma vez que o namoro acaba prejudicado pelo ambiente político instaurado com o golpe.

A história é verdadeira: 108 alunos ou egressos do Colégio Nacional de Buenos Aires foram mortos ou desaparecidos pela ditadura argentina. O filme dos diretores Virna Molina e Ernesto Ardito reconstitui o ambiente daquele momento com detalhamento; mostra o enfrentamento entre os grupos de estudantes de correntes políticas diferentes, a preocupação dos familiares, o sumiço gradual dos militantes.

“Partimos da reconstrução do que já passou, mas fazemos isso em um momento em que o governo nega que existam desaparecidos e queremos que essa memória esteja viva”, reivindicou Ernesto na noite de projeção do longa, 22 de agosto.

Estreia em ficção com tempero de documentário

Com “Sinfonía para Ana”, Virna e Ernesto fazem sua estreia no cinema de ficção. Antes de lançar o filme, a produtora que o casal mantém trabalhou exclusivamente com documentários, tanto para cinema como para televisão – e a experiência com o gênero foi absorvida durante a construção do roteiro (também de Virna e Ernesto) e fica evidente nas escolhas dos diretores para filmar a obra.

Em várias cenas eles reproduzem a linguagem de documentário, ora com a câmera imitando registros literais dos protagonistas, ora se portando como se fossem imagens de arquivos pessoais.

E em dois momentos da película, em que os personagens acompanham um comício do ex-presidente Juan Domingo Perón em uma praça de Buenos Aires e o próprio funeral do general argentino, as imagens levadas à telona são realmente de arquivos públicos.

“Foram momentos grandiosos demais, uma reconstituição sempre pareceria pequena perto do que aconteceu na realidade”, justifica a diretora.

Outro recurso próprio de documentários de que os cineastas lançaram mão para compor “Sinfonía para Ana” foi a pesquisa em acervos e entrevistas. Além de auxiliar a compor o ambiente, essas informações permitiram aos cineastas rodarem cenas bastante realistas e quase fotográficas do passado.

“Descobrimos uma única foto que registrou o velório que se passa na escola e filmamos a cena exatamente como aparecia na imagem, só que pusemos ela em movimento”, exemplifica Ernesto.

Depoimentos reais aparecem no filme

Virna e Ernesto também entrevistaram protagonistas reais dos fatos ocorridos em 1976, para reproduzir o jeito de ser, a forma de pensar dos adolescentes daqueles anos. “Localizamos 15 sobreviventes do Colégio Nacional de Buenos Aires”, revela Ernesto.

Uma dessas sobreviventes é Gaby Meik, que deu o pontapé inicial no projeto ao escrever sua versão ficcional para o episódio em um livro. “Sempre nos dedicamos a fazer documentários sobre o período da ditadura argentina, e quando lemos ‘Sinfonía para Ana’ já sabíamos que precisávamos rodar”, conta Ernesto.

A própria Gaby foi entrevistada e seus depoimentos foram transpostos de maneira literal para o texto da personagem Ana, como se ela fosse um alter-ego da autora. Logo no início do longa-metragem, a protagonista justifica a gravação de uma fita para a amiga Isa em que repassa os acontecimentos. Na voz de Ana é uma preocupação com não esquecer da história, que é o pior que poderia poderia acontecer. “É uma frase de Gaby. O filme carrega essa carga muito forte, de pessoas reais”, explicam os diretores.

Obra mistura experiências geracionais

Virna Molina e Ernesto Ardito são casados. A atriz Isadora Ardito, que vive o papel de Ana no longa, é filha do casal. O tempo em que se passa a ação que a filha interpreta, foi o período em que os pais viveram a infância. “Acho que os artistas sempre voltam aos tempos de criança quando criam”, defende Ernesto.

Sem ter vivido os anos de chumbo argentinos, Isadora se sente próxima aos personagens, que considera heróis: “Muitas vezes me coloquei na pele dessas pessoas e senti como era desesperante. Sempre nutri certa admiração por essas pessoas tão corajosas, que colocaram todo o peso sobre suas costas”.

Mas essa não é a única mistura geracional. Ao emprestar seu corpo para Ana, ao mesmo tempo que mergulhava no período da infância dos pais, Isadora voltava ela mesma ao ano de 2013, quando integrou um grupo de estudantes do mesmo Colégio Nacional de Buenos Aires que tomou as dependências da escola contra uma reforma educacional que reduzia as horas dedicadas ao ensino de história e tornava optativas disciplinas como arte. “Trinta colégios de Buenos Aires foram tomados simultaneamente”, recorda a jovem, hoje com 19 anos.

Ao fazer a pesquisa para rodar “Sinfonía para Ana”, o que aconteceu na mesma época da ocupação real de Isadora Ardito no Colégio Nacional de Buenos Aires, Virna e Ernesto se depararam com panfletos que continham as reivindicações dos estudantes dos anos 70. “Eram as mesmas palavras, os mesmos pedidos que faziam os colegas de Isadora”, relatam os diretores, que apoiaram a filha durante a ocupação.

“Ao contrário do que se contava na imprensa, os estudantes cuidavam de toda a escola com muito carinho, assumiam responsabilidades”, elogia Virna.

 

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